MEDIDA PROVISÓRIA Nº 873 REFORÇA CARÁTER FACULTATIVO DA CONTRIBUIÇÃO SINDICAL

Por Diogo Telles Akashi*

Um dos pilares da Lei da Modernização das Relações de Trabalho (Lei nº 13.467/2017), o fim da obrigatoriedade do recolhimento da contribuição sindical ganhou novo reforço em 1º de março de 2019, com a edição da Medida Provisória (MP) nº 873.

Com efeito, o advento da Reforma Trabalhista abalou a estrutura sindical brasileira, modificando sua principal fonte de receita, a contribuição sindical. Ao alterar os artigos 545, 578, 579 e 582 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), inverteu-se a lógica introduzida na era Vargas. No lugar da contribuição compulsória, o recolhimento da contribuição sindical passou a estar condicionado à autorização prévia e expressa do empregado, o mesmo valendo para a contribuição patronal.

Questionada por mais de uma dezena de ações diretas de inconstitucionalidade (ADI), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em junho de 2018, que a extinção do recolhimento obrigatório da contribuição sindical era constitucional (ADI 5794). Mas, apesar da decisão do STF, alguns sindicatos, com apoio no entendimento de juízes e procuradores do trabalho, passaram a defender interpretações alternativas para tentar mitigar o fim da contribuição obrigatória.

Parte dos magistrados trabalhistas, inclusive ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST), começaram a autorizar o desconto de contribuições decididas por meio de assembleias ou introduzidas em normas coletivas de trabalho. O mesmo se deu com o Ministério Público do Trabalho (MPT), que chegou a editar a Nota Técnica nº 02/2018 – Conalis, a qual declarou entendimento favorável à instituição de contribuição sindical obrigatória, inclusive para não-associados, por meio de acordo ou convenção coletiva, desde que aprovada em assembleia, respeitado o direito de oposição.

Sob o manto do Princípio da Prevalência do Negociado sobre o Legislado, prestigiado pela Reforma, criou-se e ampliou-se todo tipo de nova contribuição para obrigar os não-associados, com os mais variados nomes e formas, como contribuição assistencial, contribuição negocial, etc. Também ganhou força um movimento consistente na “venda” de selos, termos e outros documentos à empresas que recolhessem contribuições atuais e retroativas inadimplidas, sob pena de, ao não adquiri-los, terem que se submeter a onerosos pisos, reajustes e demais cláusulas econômicas gravosas de convenções e acordos coletivos de trabalho.

Destarte, diante do ativismo judicial e do excesso de alguns sindicatos estrangulados pela perda da arrecadação, o governo federal decidiu editar a MP nº 873/19, aprofundando a regulamentação das contribuições devidas aos sindicatos.

De acordo com a MP, as contribuições previstas no estatuto da entidade ou em norma coletiva, independentemente de sua nomenclatura, serão recolhidas na forma do disposto nos arts. 578 e 579. Com isso, tenta-se mitigar a exceção criada às contribuições assistenciais, negociais e quaisquer outros recolhimentos destinados aos sindicatos, enquadrando-os nas mesmas regras da contribuição sindical.

O texto da MP dispõe que a contribuição sindical somente poderá ser cobrada se houver prévia, voluntária, individual e expressa autorização. De modo a estancar qualquer dúvida, o texto deixa claro que não serão admitidas a autorização tácita ou a substituição por requerimento de oposição. Assim, será nula a cláusula normativa que fixa a obrigatoriedade de recolhimento a empregados ou empregadores não-associados, ainda que referendada por negociação coletiva, assembleia ou outro meio previsto no estatuto da entidade, exceto se houver a concordância qualificada.

As novas regras trouxeram ainda um outro alento aos empregadores, que estavam pressionados por terem que efetuar descontos nos salários dos seus empregados baseados em normas coletivas ou assembleias (com risco de passivo), estabelecendo que a contribuição será feita exclusivamente por meio de boleto bancário ou equivalente eletrônico, que deverá ser encaminhado à residência do empregado ou, na impossibilidade de recebimento, à sede da empresa. Não há mais o desconto em folha de pagamento, e o boleto do sindicato somente poderá ser enviado à residência do empregado mediante sua autorização prévia e expressa. Havendo descumprimento da medida o sindicato infrator poderá ser multado.

No afã de proibir a cobrança obrigatória de contribuição sindical laboral, principal objeto de abusos, a MP cometeu uma atecnia ao finalizar o texto do art. 578 com a palavra “empregado”, haja vista que este dispositivo regulava também a contribuição sindical patronal. Mas certamente que doutrina e jurisprudência bem saberão garantir a “mens legis”, orientando para paridade de tratamento, isso se o Legislativo não o fizer por ocasião da tramitação da MP. De qualquer forma, o § 2º do art. 579 parece ser de possível aplicação para proibir a exigência de contribuições patronais por força de clausulas normativas, assembleias ou disposições estatutárias.

Outro ponto que merecia melhor atenção é o art. 611-B da CLT, para incluir também a exigência de autorização individual e por escrito para qualquer cobrança ou desconto salarial, bem como para cobrança de contribuições patronais, uma vez que é neste rol que consta (exclusivamente, conforme dispõe o “caput”) as disposições de direitos cuja supressão não pode ser objeto de convenção ou acordo coletivo de trabalho. Certamente isso dará margem para que o Princípio da Prevalência do Negociado sobre o Legislado seja mais uma vez invocado para que as normas coletivas se sobreponham às novas regras legais.

Também não ficou resolvida no texto da MP a questão do direito intertemporal, ou seja, a eficácia das normas coletivas anteriores à sua vigência. Em regra, haveria que se aplicar o Princípio da Irretroatividade das Leis, mas se prevalecer o entedimento de que a MP é meramente interpretativa, não constituindo direito novo, todas as convenções e acordos que estabeleceram a cobrança de contribuições obrigatórias sem a autorização prévia, expressa, individual e por escrito poderão ser questionadas na Justiça, e os sindicatos que as receberam terão que devolver seus valores. No caso dos descontos salariais, se as empresas que os fizeram forem condenadas a restituir os valores porderão pleitear o regresso ao respectivo sindicato que recebeu o repasse. Este talvez seja o ponto mais preocupante da MP, pois o embróglio criado ainda vai gerar muita insegurança jurídica até a pacificação da jurisprudência, e tem potencial para provocar ações milionárias contra os sindicatos.

Por fim, a MP definiu novas regras para o cálculo do valor do dia de trabalho considerado na cobrança da contribuição sindical laboral, prevendo que, na hipótese de pagamento do salário em utilidades, ou nos casos em que o empregado receba, habitualmente, gorjetas, a contribuição corresponderá a 1/30 (um trinta avos) da importância que tiver servido de base, no mês de janeiro, para a contribuição do empregado à Previdência Social.

Sobre a natureza, eficácia e tramitação da MP, é preciso que se diga que as medidas provisórias são normas com força de lei editadas pelo Presidente da República em situações de relevância e urgência. Apesar de produzir efeitos jurídicos imediatos, a MP precisa da posterior apreciação pelas duas Casas do Congresso Nacional para se converter definitivamente em lei ordinária, iniciando a tramitação pela Câmara dos Deputados. O prazo inicial de vigência da MP é de 60 dias, sendo prorrogada automaticamente por igual período caso não tenha sua votação concluída no Congresso Nacional. Se não for apreciada em até 45 dias, contados da sua publicação, entra em regime de urgência, sobrestando todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.

Resta saber se o Presidente da República terá capital político para manter essa MP, transformando-a em norma permanente, e se o Judiciário irá garantir suas disposições.

 

* DIOGO TELLES AKASHI é advogado da Cebrasse.